sábado, 6 de março de 2010

AINDA E POR ENQUANTO



Como imaginar que aquela viagem, que é feita todos os dias, na santa paz de Deus, pode por um istmo de desatenção, ser a última da sua vida?! Como poder raciocinar que a maldade das pessoas está muito além do que podemos imaginar?! Como deduzir que em plena luz do dia, a maldade se fará presente com a toda a força de sua escuridão? Como um simples bom dia, boa noite, um sujeito pode ceifar a vida de outrem, numa incoerência mórbida dos que não têm noção do que seja respeitar a vida, que também é dele, e depois continuar com ela como se nada tivesse acontecido? Como se não tivesse sido ele, o sujeito mau, o agente da maldade perversa e covarde, de quem atira à queima roupa por um motivo banal, estúpido, inaceitável, conseguir seguir com o rumo de sua vida, com o seu trabalho, como se tivesse tido apenas uma discussão casual com um estranho?! São coisas que acontecem hoje em dia que nos deixa perplexo na alma e no espírito, que vai muito além do crime, que perpassa o nível de compreensão de uma sociedade assustada e acuada, refém do seu próprio medo, muito que embora não consiga passar, ir além, por enquanto não, por algum milagre ou acaso qualquer, do descaso dos envolvidos; ainda nos deixam assustados e isso é bom, não nos deixa dispersos, inertes ou evasivos (ainda), ainda e por enquanto nos deixam tristes, como se não houvesse para onde ir, ainda nos abala e nos atinge na alma; mas como tudo anda, podemos já não está tão longe do dia em que andaremos sobre cadáveres expostos na rua e os chutaremos como lixo comum, para uma vala comum, para simplesmente podermos continuar com o nosso caminho, já mais sem nenhuma sensibilidade, pois... é difícil até de escrever, dizer, pensar, certas atrocidades.
Ia para o trabalho, como todos os dias fazia, num coletivo que levava outras pessoas com destinos semelhantes; quando um dos passageiros, tão comum quanto ele, pediu-lhe para fechar a janela que o incomodava; Diante de uma resposta negativa, logo a discussão veio à tona, apenas um desentendimento, não fosse a bruta atitude do outro que, sentindo-se afrontado com a recusa do pedido, sem nem um pudor, sacou de uma arma e disparou contra um senhor, trabalhador, pai de família e foi-se embora fugido, deixando o homem ferido na altura do peito e todos os outros passageiros atônitos com tão inconcebível acontecimento. Mais tarde, com a apuração dos fatos, soube-se que o indivíduo seguiu normalmente para o trabalho, como se nada tivesse acontecido. Eis a banalização da violência, da vida, da sociedade, falida e agonizada de que tanto ouvimos falar. O homem morto era um cozinheiro, com mulher, filhos, com uma vida, aliás, sem vida agora.

quinta-feira, 4 de março de 2010

TIC-TAC, BUM!


03/03/2010

24 horas depois, à prisão de mais um bandido, mais um ônibus é alvejado, queimado, ateado fogo, por seus comparsas, usando coquetéis molotovs, em retaliação à ação da polícia. Uma cena já quase corriqueira quando isto acontece, da polícia invadir as favelas e retaliar o crime armado e o tráfico de drogas, etc, se não fosse pelo dado novo e alarmante de, diferentemente de outras vezes, os marginais não se importarem com os cidadãos comuns que usavam o coletivo! Desta vez, usaram uma jovem - notícias revelam que ela tinha ligação direta com o prisioneiro, tanto ela, quanto os outros dois ou três, envolvidos na ação - então não usaram, mas contaram, com a jovem, menor de idade e grávida para fazer sinal e parar o ônibus, enquanto seus comparsas faziam o resto. Sem nenhum pudor, diferentemente de outras vezes, quando eles ainda tinham algum lampejo de consciência e mandavam os passageiros descerem, antes de barbarizar ateando o alvo, desta vez fulminaram a todos, com o arremesso de um coquetel molotov e gasolina, incendiando o ônibus, sem querer saber ou se importar a quem atacavam, se eram pessoas de bem ou não, que não tinham nada a ver com seus infortúnios, que seguiam para o trabalho, para a faculdade, para seus destinos de todo os dias. Resultado: Um ônibus com 20 passageiros, 13 feridos, cinco gravemente, com mais de 30 por cento do corpo queimado e ninguém preso. Tudo em represália à prisão de um parente marginal, que foi pego com 40 papelotes de cocaína, traficando pela área.
Terrorismo, guerra civil, covardia, fomos agora atingidos por algo maior que a própria violência; estamos chegando a um ponto que de tanto conviver com atrocidades acabamos nos tornando parte delas, há uma teoria de guerra que diz que o soldado de tanto guerrear perde o prumo humanístico, perde a referência humana, o tato e o coração, a percepção e a sensibilidade, passando a ser animalesco, instintivamente cruel, a agir e a matar por inconseqüência, por motivos banais, numa total perdição de valores, que realmente deveriam preocupar às autoridades e a qualquer um com alguma sanidade mental. Atingimos um vértice perigoso na questão social, onde homens e jovens de todas as idades, menores de idade até, se revelam como verdadeiros filhos do ódio e nos servem de referência para entendermos que a ferida social, da qual todos somos vítimas e que com ela sofremos, já está além do que poderíamos suportar.
É gravíssimo quando alguém toma para si, os poderes de resolver como bem entender, uma questão pessoal, de uma perda ou de uma injustiça; é gravíssimo quando um homem toma suas decisões à sua vontade e revelia; é gravíssimo quando tomam o poder para si e fazem justiça pelas próprias mãos, sem nenhum pudor ou medo, sem nenhuma ponderação e com toda liberdade indevida ao detrimento do outro; é gravíssimo quando queremos estar acima da lei. E esta é a realidade que enfrentamos hoje. Perdemos o prumo, a direção e estamos todos à deriva, agora com mais essa, com o terrorismo batendo à nossa porta, com o pior dos terrorismos, que não tem ideologia alguma, portanto que não dará margem nenhuma para negociação, porque não haverá ponderação, porque não existe consciência.
Talvez estejamos colhendo o que plantamos; o descaso na educação, o abismo do qual sabemos e não nos importamos; as injustiças sociais cada vez mais gritantes; o descuido com a nossa juventude; a política do cada um por si e a banalização da própria violência, talvez tenham sido os ingredientes fundamentais e singulares, temperados por nossos preconceitos e omissões, que fazem hoje de nós, a cereja desse bolo tão indigesto e indesejável, que agora temos na mão, em forma de uma bomba relógio.
Tic-tac, tic-tac, tic-tac...


“È muito triste, gente! É muito triste! È muito triste ser queimado vivo, é muito ruim, dói demais, dói muito, no corpo e na alma”.

- Uma das sobreviventes da barbárie -